quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Uma conversa sobre sexualidade e sexo

Como diz Simone de Beauvoir no seu livro Segundo Sexo ‘não se nasce mulher tona-se mulher’. Nós, seres humanos escolhemos a nossa sexualidade a partir das experiências e da reflexão sobre estas experiências.
       As primeiras experiências são de atração pelo que é agradável, gostoso, bonito e assim por diante, se dão na infância. Na infância as possibilidades de experiências de atração são amplas. Isto por que a criança não nasce com a sexualidade definida. A criança nasce com o sexo definido (masculino ou feminino). As experiências de atração, na infância não determinam uma escolha, mas sim, fundamentam-na.
       Por um lado, existem as experiências da criança na relação com seu próprio corpo e o corpo do outro. Desde o primeiro momento em que ela aprende a apontar seu olho, seu nariz, seu pé etc. Por outro lado, as experiências referentes ao afeto: reconhecer as pessoas, lembrar delas, gostar delas, sentir saudades.
       A sexualidade vai sendo construída então, como mais um aspecto da vida de uma pessoa. As descobertas em relação ao próprio corpo ocorrem ao longo de toda a vida humana, ao mesmo tempo em que o corpo modifica-se também mudam as possibilidades de viver as experiências sexuais. Por exemplo: uma mulher grávida e seu companheiro, a sexualidade vai mudar de alguma forma, mas, sempre vai depender do casal.
       Ser mulher, ser homem, ser uma mulher com atração por outras mulheres ou ser um homem com atração por outros homens?! Mesmo com uma experiência de atração sexual de uma mulher por outra, por exemplo, há um projeto de ser mulher articulados a um desejo de ser mulher que vai definir a escolha. Isto é, apesar da experiência de atração por uma mulher a escolha pode ser heterossexual.
       Mas o que é o projeto de ser mulher iluminado por um desejo de ser mulher? Ou um projeto de ser homem iluminado por um desejo de ser homem? O desejo de ser é o que se almeja do futuro: quero ser independente, quero ser seguro, quero ser linda, quero envelhecer dignamente ... O projeto é a realização deste desejo, isto é, quero ser sedutora então me visto como uma mulher sedutora, tenho gestos de uma mulher sedutora etc. Mas nem sempre o desejo de ser e o projeto de ser estão alinhados. Quero ser um homem seguro e amoroso com minha esposa, mas, na hora de sairmos a lazer fico emburrado e ciumento, faço ela trocar de roupa e se ela não troca fico em casa casmurro. Neste último caso o desejo é ser seguro, mas, o projeto é de ser ciumento, tendo como conseqüência vivenciar a insegurança.
       A sexualidade não pode ser confundida com o comportamento sexual. A sexualidade implica experiências de atração sexual, desejo sexual e práticas sexuais relacionadas a escolhas em dado momento da vida. O comportamento sexual refere-se exclusivamente a práticas sexuais em determinado período histórico ou grupo. Não há nenhum determinismo a não ser no que se refere a uma moral ou práticas compartilhadas por um determinado grupo sempre circunscrito pela história e pela cultura. O exemplo disto é uma nova geração que admite vivências e contratos de relação amorosa que era improvável em épocas anteriores.
       Escolher a sexualidade mais abertamente é uma possibilidade para esta geração que está aí. É importante fazê-lo criticamente, observando o projeto de ser e o desejo de ser.


domingo, 27 de outubro de 2013


O modo de produção capitalista, os modelos de gestão e os aspectos psicológicos no trabalho
Andréa Luiza da Silveira
 I Semana do Servidor: Saúde Mental e Trabalho em Chapecó

Bom dia a todos e todas. E gostaria de agradecer o convite para participar desta mesa redonda numa atividade que julgo muito importante para este coletivo de trabalhadores, o coletivo dos trabalhadores público federais de Chapecó. E a contribuição que eu espero oferecer aqui é a reflexão sobre “O modo de produção capitalista, os modelos de gestão e os aspectos psicológicos no trabalho”.
Então, quando eu me pus a pensar sobre a fala que eu faria para vocês, três questões surgiram. (slide) A primeira questão foi por que pensar sobre a relação entre os aspectos psicológicos e o trabalho? A segunda questão foi por que a relação sofrimento psíquico e trabalho se configura como um problema? E a terceira questão que me fiz foi se poderíamos vislumbrar as soluções, quais seriam elas?
Bem, para podermos refletir nos termos propostos pelas questões temos que inicialmente, nós temos que deixar claros dois conceitos. O primeiro deles é o conceito de trabalho e outro conceito é o conceito de processo de trabalho. E então, a partir deste dois conceitos refletirmos sobre qual sujeito se constitui a partir da forma como os processos de trabalho são organizados hoje, na nossa sociedade contemporânea.
Então, para falarmos de saúde mental, doença mental ou sofrimento psíquico no trabalho e sua relação com a constituição do sujeito através do trabalho precisamos inicialmente localizar que tipo de conduta humana é o trabalho.
Segundo Sartre, no seu livro o Ser e o Nada, são três as categorias cardeais da realidade humana, o fazer, o ser e o ter. Para a realidade humana ser é escolher-se [...] “nada lhe vem de fora, ou tampouco de dentro, que ela possa receber ou aceitar.” O ter dá-se pelo status do que o ser possui, como o conhecimento, por exemplo. O trabalho é uma conduta humana que está na ordem, sobretudo, do fazer.
(slide) Como pontua Marcuse “O trabalho é um  fazer próprio do mundo humano em que ao agir o homem objetiva-se e ao objetivar-se, faz-se homem, um fazer que para além da natureza, da psicologia, da ciência econômica ou da técnica é ontológico.” O conceito que Marcuse propõem fundamenta-se no conceito de Marx, para quem o trabalho é uma atividade tipicamente humana em que o homem ao transformar o mundo transforma-se a si mesmo. Isso tudo quer dizer simplesmente que nós, seres humanos modificamos o mundo através do nosso trabalho e ao modifica-lo nos modificamos a nós mesmo, isto é, nos objetivamos no nosso fazer e, através dele, também nos subjetivamos.
Ora, isto nos leva a concluir que o trabalho é então, constitutivo do ser do homem, vale dizer, através do trabalho o ser-humano humanizou-se, desenvolveu o seu corpo e a sua psique – atividades cognitivas ou reflexão, o imaginário ou a condição de por um futuro à ação, a emoção ou a possibilidade de dar significado a ação, a afetividade. O trabalho foi desde a origem do sujeito, central para a constituição do sujeito, logo, para a constituição dos grupos humanos também.
(slide) A meu ver, a importância de se esclarecer a relação entre os aspectos psicológicos e o trabalho está em que o trabalho é constitutivo do nosso modo de ser em determinado tempo histórico. E assim, a forma como o trabalho está organizado em nossa sociedade atravessa diretamente as nossas possibilidades de subjetivação e de objetivação.
(slide) Como podemos conceber no sentido do que foi exposto até agora, esses dados, que foram nos foram concedidos pelo Sr. Roque Veiga, que os apresentou recentemente no II Seminário de Saúde dos Trabalhadores do Abate e Beneficiamento de Carnes de Chapecó/SC, que ocorreu aqui em Chapecó, ainda neste ano. Como nós podemos olhar para estes dados e o que podemos tirar deles?
Podemos observar que os transtornos mentais, as Ler/Dort etc. estão em evidencia. Essa evidencia nos provoca a pensar sobre os processos de trabalho que nos levam a situação que estes dados que estão aí representam.
(Slide) Parece-me que a segunda pergunta vai sendo respondida, isto é, por que a relação sofrimento psíquico e trabalho se configura como um problema para os profissionais e pesquisadores? Porque, simplesmente, o sofrimento psíquico no trabalho tornou-se um problema social que diz respeito a toda a coletividade. E essa totalização é muito importante porque através dela nós podemos vislumbrar também a resolução destes mesmos problemas.
Neste sentido é que falo em modo de produção capitalista, pois tal modo de produção é que impõe de certa forma, como o processo de trabalho deve ser organizado.
Mas, a meu ver, para que nós consigamos entender isso, precisamos saber o que é o processo de trabalho. (slide) O processo de trabalho é todo o caminha, do planejamento a execução, que resulta num produto, num benefício ou num serviço. O processo de trabalho constitui-se de: a) a própria atividade humana voltada a certos fins; b) ao objeto de trabalho e matéria prima; e c) aos meios de trabalho.
Deste modo, as ciências que estudam o trabalho recorrem a variadas metodologias para compreender a especificidade do processo de trabalho e de cada atividade realizada. E estes estudos encontram peculiaridades dos modos de objetivação e subjetivação do sujeito referentes àquela atividade específica, o que permite prever um nexo entre adoecimento e atividade. Mas, nós não temos como dar conta disto neste momento então vamos nos concentrar apenas nas dimensões mais gerais do processo de trabalho no capitalismo, que é o seguinte, no modo de produção capitalista o sujeito da ação, ou da atividade, está distante dos resultados da sua própria ação, ou ainda melhor dizendo, o sujeito da ação, aquele que trabalho não se apropria dos resultados de sua ação. O que Karl Marx chamou de trabalho alienado.
(slide) Laurel e Noriega, pesquisadores Mexicanos, ao analisarem o processo de produção e sua relação com a saúde, entenderam que “[...] sob o capitalismo é trabalho alienado e implica o uso deformado e deformante tanto do corpo como das potencialidades psíquicas, converte-se numa atividade cujo componente desgastante é muito maior que o da reposição e desenvolvimento das capacidades. É, pois, a combinação entre o desgaste e a reprodução que determina a constuição das formas históricas específicas biopsíquicas humanas. (Laurel e Noriefa, 1989)
Assim, as práticas que compõem os modelos de gestão desde sua origem, do taylorismo à gestão flexível, seguem os mesmos objetivos, a disciplina e o controle da classe trabalhadora ou, se quisermos, de um coletivo específico de trabalhadores. Eu diria ainda que atualmente, os modelos de gestão afetam, além de tudo, a organização politica dos trabalhadores para as lutas pela sua saúde, pelas adequadas condições de trabalho e de vida.
É muito importante nós notarmos que o objetivo primordial dos modelos de gestão pode-se dizer, desdobrou-se no controle dos seres-humanos para que estes se adaptem ou se submetam a jornada de trabalho, ao ritmo de trabalho e as relações humanas de trabalho como o processo decisório, por exemplo, de acordo com os interesse daqueles que a gestão representa. E nesse contexto mais geral encontramos as implicações do que chamamos sofrimento ou adoecimento relacionado ao trabalho, a exemplo da síndrome de bournaut, da depressão, das síndromes do pânico, ideação suicida e suicídios em locais de trabalho propriamente ditos e assim por diante.
            Frente a tal situação complexa podemos pensar em soluções? (slide) Creio que sim, mas não sozinhos, não pensando e agindo cada um por si.
As análises e intervenções de Christofhe Dejours, por exemplo, nos mostram que em organizações de trabalho onde o sofrimento psíquico é extremo encontra-se também um coletivo de trabalhadores que não conseguiram preservar ou lutar para manter as relações de solidariedade.
As iniciativas de Dejours e seus colaboradores é possibilitar, na medida em que uma metodologia pode fazê-lo, que as relações de solidariedade constituam-se novamente. E isso tem como consequência uma experiência do tipo “não estou só”, ou ainda, “conto com os outros”. Essa perspectiva de atuação técnica também valoriza a organização política. Podemos ver um exemplo no que Begue nos fala sobre uma intervenção que ela fez sob a orientação de Dejours, numa organização onde houveram vários suicídios, isto na França. Ela diz que “Fiquei impressionada pela qualidade do investimento no coletivo pelos seus membros. As sessões proporcionaram verdadeiros reencontros entre aqueles que se cruzavam pelos corredores a cada dia, permitiram às pessoas de se revelarem a si mesmas e aos outros. Eu imagino que elas passaram a se permitir novas solidariedades. Que novos laços puderam então surgir para transformar-se em capacidade de ação! (Dejours e Bègue, 2010, p. 103)
            Podemos ainda nos perguntar por que as questões políticas são tão importantes quanto os aspectos técnicos. Continuamos a tentar responder a terceira pergunta, quais soluções possíveis. Mas vamos agora fazer o inverso do que tínhamos feito antes, vamos partir do singular para o universal. Vamos tentar imaginar um homem que não consegue mais voltar ao trabalho, só de pensar em voltar ao trabalho perde a vontade de fazer qualquer coisa que seja, e quando tem algo que o leva a ir ao prédio do seu local de trabalho, treme, o coração acelera e não consegue sequer falar. Essa é uma situação hipotética e sem um diagnóstico preciso. Mas, como ele se sente? Muito possivelmente se sente sozinho.
            O anti-psiquiatra Van Den Berg, que escreveu o famoso livro, O paciente psiquiátrico, já dizia que a questão central do sofrimento é a solidão. Então a sugestão é tanto para a atuação clínica ou atendimento individual ao sujeito em sofrimento.
a)    Inicialmente é necessário compreender a relação entre os aspectos sociais e os psicológicos, exercício que tentamos fazer aqui; (a psicologia social e do trabalho dá conta disso);
b)    Em segundo lugar, fazer-se um diagnóstico que identifique a relação entre as atividades desenvolvidas e os processos de objetivação e subjetivação específicos a cada atividade e também sua relação com os modos de gestão; (a ergonomia pode contribuir);

c)    Pensar num programa da promoção de saúde considerando os princípios do Sus e as potencialidades da rede.




Mesa redonda: A configuração do trabalho na contemporaneidade: precarização e os agravos à saúde mental dos trabalhadores. Andréa Luiza da Silveira, Michele Lucas e Márcia Luiza Pit Dal Magro.


domingo, 4 de agosto de 2013

Algumas considerações sobre o cansaço no trabalho

As doenças orgânicas cujas multi-causas estão relacionadas ao trabalho tanto quanto as problemáticas de ordem psicológica estão ligadas a organização do trabalho. Em termos gerais, o trabalho (os trabalhadores e seus fins) está subordinado ao funcionamento da maquinaria e/ou dos processos em função dos interesses quase exclusivos do capital. Neste sentido, na medida em que as pessoas estão subordinadas aos objetos perdem-se as condições para as relações humanas de reciprocidade fragilizando tanto as relações sociais quanto as condições adequadas para a segurança psicológica. 
Geralmente, as queixas relacionadas ao trabalho aparecem entre outras  queixas combinadas aos demais contextos de vida. Sinteticamente, podemos afirmar que as pessoas tendem a sentirem-se inviabilizadas para realizarem o que querem de sua vida. A fadiga, em geral, é expressa pelas seguintes queixas iniciais, acordar cansado(a), ser acometido(a) por pesadelos ou/e não conseguir dormir etc. Isto quer dizer que uma noite de sono não tem sido suficiente para repor as energias e, também, em muitos casos, que a noite de sono não tem sido contínua.
A continuidade do sono é importante para a saúde de pessoas, o que costumamos designar como dormir bem, pois terá implicações em como nos sentiremos ao longo dos dias. Mas, a questão central é a seguinte por que as pessoas ficam tão cansadas por causa do trabalho delas? E qual a relação desse cansaço inicial com outros problemas psicológicos?
São muitas as variáveis a serem discutidas para responder a esta pergunta complexa. Por um lado, temos as condições sociais de vida tais como as condições de moradia, de ida e volta ao trabalho, de alimentação etc. E, por outro lado, temos as condições de trabalho, tais como o ritmo de trabalho, a jornada de trabalho, as exigências de trabalho, os intervalos e pausas necessárias ao longo da jornada de trabalho, as relações humanas no trabalho e as especificidades de cada atividade particular.
Entretanto, parece-nos importante, de modo geral, pensarmos sobre o cansaço no trabalho, pois ele constitui um dos passos dos caminhos que levam a exaustão no trabalho. A exaustão ou fadiga pode vir acompanhada pela perda da alegria no trabalho. Desta modo, a exaustão gerada nos contextos de trabalho pode interferir nos demais contextos da vida da pessoa até no seu ponto máximo, que é constituir alguma psicopatologia, como por exemplo, a síndrome de burnout.
No inicio é apenas um desconforto e certa insatisfação que podem levar a preocupações maiores até provocar insônia, por exemplo. Algumas relações com os colegas de trabalho causam mal estar, pelas mais diversas razões, como o assédio moral por exemplo. As preocupações e dificuldades podem atingir tal grandeza que chagam a gerar ansiedade, desagrado em estar naquele ambiente até chegar ao desejo de não estar mais ali ou de não suportar a ideia de ter que ir para o trabalho após levantar-se pela manhã. Aquelas atividades de trabalho, corriqueiras e que antes eram prazerosas vão deixando de o ser. O que antes o trabalhador fazia com alegria ou com facilidade passa a ser de difícil execução. As noites de sono não são mais suficientes para o descanso. As atividades de lazer vão perdendo o sentido e não é mais divertido estar com a família, como os amigos etc. E assim, cada vez mais o trabalhador vai se sentindo exausto, fatigado, sem vontade de trabalhar, de estar com a família, de estar com os amigos. Sente vontade de dormir, de descansar, mas o fim de semana não é suficiente. E na segunda-feira começa tudo de novo.
O trabalhador que vivência esta situação já não faz mais diferença entre o que é problema dele e o que é problema da organização do trabalho, das outras pessoas no trabalho, do seu contexto de vida fora do trabalho. Confunde tudo e às vezes, sente-se culpado(a), fracassado(a) e sozinho(a). Mas, não perde a vontade de trabalhar, gostaria de voltar a ser como antes, alegre, ativo(a), positivo(a), mas não consegue enfrentar as exigências no trabalho que transcendem as suas capacidades naquele momento da sua vida. Decorre daí a perda de função do trabalho na vida da pessoa.
A psicoterapia pode auxiliar a pessoa que vivência o esgotamento profissional. Porém, o esgotamento ou exaustão pode ser evitado desde o inicio com o auxilio da psicologia clínica. Cada um de nós pode observar estas mudanças e ao dar-se conta delas agir para superá-las, logo no inicio.
Quadro de Salvador Dalí
Entretanto, é importante lembrar que o sofrimento é vivido como individual e muitas vezes as pessoas não se dão conta do quanto seus problemas estão relacionados ao trabalho e também do quanto as outras pessoas no trabalho estão em sofrimento. Isto porque as relações de trabalho, a dinâmica do grupo de trabalho e os processos de trabalho, cada vez mais, fogem ao controle do trabalhador.


Nosso objetivo então foi apenas alertar as pessoas na busca da psicoterapia que dever servir para que a pessoa viva melhor. Entretanto, a psicoterapia é um tipo de intervenção individual e os problemas no trabalho são coletivos e para serem resolvidos dependem também das outras pessoas e da própria forma como o trabalho se organiza. Portanto, modificar o contexto de trabalho deve ser uma proposta do coletivo e isto está no campo político. Uma dica pertinente para os trabalhadores é observar quais modificações estão ocorrendo ou ocorreram no seu local de trabalho e como elas afetam cada um, singularmente, e o coletivo.


III Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e o IV Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho
23, 24 e 25 de Outubro de 2013 - Em Gramado - RS

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A importância da psicoterapia ou acompanhamento psicoterapêutico para pessoas com doenças crônicas

        Denominam-se doenças crônicas àquelas que precisam de um tratamento a longo prazo tais como as cardiorespiratórias, câncer, distúrbios ostemucuslares, reumatismos, diabetis, sida etc. A psicoterapia ou o acompanhamento psicológico pode auxiliar o tratamento médico que as pessoas com doenças crônicas precisam fazer, principalmente a partir do diagnóstico quando efetivamente é necessário modificar aspectos fundamentais do modo de vida.

        A psicologia dispõe de fundamentação teórica e metodológica para oferecer suporte às pessoas em sofrimento bem como para auxiliar a superação do sofrimento.
         O conceito de corporeidade parece pertinente para nortear as ações técnicas que respaldam cientificamente um diagnóstico psicológico e a intervenção no caso do(a) paciente com  um doença crônica. Para fazer-se o diagnóstico psicológico - ou compreensão psicoterapêutica como preferimos chamar em fenomenologia existencialista - faz-se mister descrever a experiência psicológica referente a doença crônica, sobretudo, no que se refere as mudanças de modo de vida como, por exemplo, administrar o consumo de cigarro ou e álcool, fazer atividades físicas, administrar a medicação adequadamente, lidar com as dificuldades que o tratamento pode implicar etc.      
        A psicoterapia se baseia no método biografico que possibilita a descrição e a compreensão da "[...] história do paciente e suas vivências que são sempre ordenadas pela sua situação." (Silveira e Carminati, 2012) Nos casos em que a questão central trata-se de uma doença crônica, além da relação que o paciente estabelece com o mundo, com os outros, com o tempo é importante dar uma atenção especial a relação com o corpo ou corporeidade.O corpo é muito mais que o fisiológico, o corpo é uma totalidade orgânica e psíquica. Somente pelo corpo podemos nos lançar a determinados projetos e não a outros. Alguns projetos como gerar um bebê, por exemplo, estão amarrados a uma certa possibilidade orgânica.
Sartre (1997, p. 292) nos diz que:



[...] é verdade que o corpo pertence à totalidade que denominamos realidade humana como uma de suas estruturas. Mas, precisamente, só é corpo do homem enquanto existe na unidade indissolúvel desta totalidade, do mesmo modo como o órgão só é orgão vivo na totalidade do organismo.

Inicialmente, é fundamental ter a concepção sobre a corporeidade para compreender a experiência particular do doente crônico. O diagnóstico psicológico é a ação do terapeuta em que ocorre a compreensão do terapeuta da condição do(a) paciente. Para que a compreensão psicoterapêutica ocorra é importante conceber o movimento dialético de exteriorização-interiorização na constituição do ser do sujeito ou personalidade que é historicamente situada. São dimensões existenciais da situação do paciente que se modificam com uma doença crônica. Temos também que levar em conta que o próprio tratamento pode envolver mudanças relevantes como a perda da mama, limitações de movimento que precisam ser recuperados etc. 
Desta forma, é importante entender que dimensões do projeto de vida do paciente foram afetadas pela doença e pelo tratamento.O acompanhamento psicológico tem como objetivo geral oferecer certo suporte psicológico. Tal suporte visa que o paciente viabilize uma perspectiva de vida satisfatória observando seu estado de saúde.
         Ainda propõe alguns objetivos específicos tais como: contribuir para a superação das tensões, angusticas, receios e preocupações associados a sua saúde; ajudar o paciente a delimitar os aspectos físicos e psíquicos da sua condição; possibilitar que o paciente localize as mudanças de sua vida em função de sua saúde; reavaliar as pesrpectivas de futuro antes da doença; observar os limites impostos pela nova condição e verificar as possibilidades atuais e futuras de realização pessoal; refletir sobre as mudanças e possibilidades da vida em família, da vida amorosa, do lazer e do trabalho; oferecer suporte e orientação sobre a adesão ao tratamento tendo em vista a qualidade de vida.

         Neste sentido, é importante considerar que o diagnóstico médico de uma doença crônica afeta a existência do paciente. Como nos disse Sartre na citação acima, um órgão só existe na totalidade de um corpo. E um corpo só existe como corporeidade, isto é, essa totalização em curso entre orgânico e psíquico. Portanto, quando se trata do sofrimento relativo ao diagnóstico médico de uma doença são as dimensões existenciais do paciente que estão em em foco no diagnóstico psicológico, isto é, certo aspecto da relação com o mundo, com o outro, com o tempo e com o próprio corpo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.


SILVEIRA, Andréa Luiza da Psicodiagnóstico: a fundamentação epistemológica entre o sistema de categorização, a fenomenologia e o existencialismo. Anais VIII Encontro Catarinense de Saúde Mental, 2009.


SILVEIRA, Andréa Luiza da; CARMINATI, Fábio. Considerações sobre a corporeidade na fenomenologia existencialista de Sartre. Cadernos de Sartre, Fortaleza/CE, v. 1, n. 4, p. 97-111,  2011.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A identidade do profissional de psicologia e o diagnóstico psicológico


Andréa Luiza da Silveira
psicóloga - CRP-12/02021
Este breve artigo tem o intuito de informar as pessoas sobre: 1) que os documentos produzidos pelo(a) profissional de psicologia exigem que haja vínculo entre o profissional e a pessoa que o procura; 2) que a produção de um documentos baseia-se em preceitos técnicos e éticos.


A atividade de diagnosticar uma problemática psicológica contempla, por um lado, o saber psicológico e, por outro lado, a identidade do(a) profissional do(a) psicólogo(a). Diagnosticar é, essencialmente, compreender a dinâmica em que o sofrimento do sujeito ocorre. Neste sentido, para além de qualquer movimento político e corporativo - seja o Ato Médico, ou qualquer outro – a atividade de diagnosticar no âmbito da psicologia é do (a) psicólogo (a).
Faz-se o diagnóstico psicológico nas várias áreas da psicologia justamente porque cada uma delas envolve o sujeito e sua dinâmica na comunidade, no hospital, no âmbiente de trabalho, e assim por diante. Mesmo no atendimento individual, as redes em que o sujeito se tece e se constitui, aparecem como parte da solução e da problemática psicológica.
Parece importante lembrar, que a atividade de diagnosticar, realizada pelo profissional de psicologia, leva algumas sessões. Para nós, tal atividade é interventiva, isto é, nas sessões destinadas a compreensão da dinâmica do sujeito o vínculo que está sendo construído entre o(a) profissional e o paciente, por si mesmo, é um agente de mudança. O ‘paciente’ é ativo no processo de se vincular e faz alguma coisa disso, em geral, para lidar com o seu sofrimento e com a dinâmica que o sustenta.
O psicólogo produz documentos como a declaração, o parecer, o atestado e o laudo psicológico. Casa um deles atende a certos fins e necessita de certos dados para serem confeccionados. Equivale dizer que, um documento desta ordem, se constói a partir da atividade profissional fundamentada na ciência psicológica.
É muito importante que a pessoa que procura o(a) psicólogo(a)  para obter um laudo, um atestado etc, saiba das implicações técnicas e éticas da produção de um documento. Apenas para exemplificar podemos citar um preceito técnico, o número de sessões vai exceder a apenas uma sessão. E um preceito ético, é que o(a) profissional vai atestar o que foi verificado. 
Pensamos que a informação adequada pode propiciar que as pessoas usufruam muito mais da psicologia como ciência e como profissão. Por isso, sugerimos que, para dirimir qualquer dúvida, se consulte a “RESOLUÇÃO CFP N.º 007/2003  que Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica.” (Conselho Federal de Psicologia - CFP, 2003).  








sábado, 11 de junho de 2011

Aspectos psicossociais do processo saúde doença no trabalho

Andréa Luiza da Silveira
psicóloga  - CRP-12/02021

Bom dia a todos e todas.
Hoje pretendo discutir os aspectos psicossociais do trabalho e importância de sua discriminação e compreensão para se pensar, planejar e executar soluções para se superar o adoencimento no trablho, ou pelo menos, melhorar as condições de trabalho.
Gostaria de agrader a ANAMT e, em especial ao Dr. Carlos Campos, o convite para falar sobre os “Aspectos psicossociais do processo saúde_doença no trabalho”. E gostaria de agredecer também a Dra. Isabel Amorim, quem me fez o convite inicialmente.
Bem, eu sou psicóloga, atualmente atuo como professora da Unochapecó e como psicóloga clínica. Fiz meu mestrado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina e abordei como tema central a prevenção às doenças ocupacionais. Por um lado eu tenho muita afinidade acadêmica com o tema que me proponho a apresentar hoje e por outro ele é um tema que me mobiliza muito. Este tema me mobiliza por ser o trabalho uma relação que promove mais adoenciemento do que saúde. O trabalho é um tipo de relação que as pessoas estabelecem umas com as outras, com uma atividade socialmente necessaria para a reprodução da própria vida e também uma relação que as pessoas estabelecem consigo mesmas, parafraseando Marcurse “o trabalho é uma categoria ontológica constitutiva do ser do sujeito.” A reflexão aqui é a seguinte “Ora, se o trabalho promove o sofrimento em vez da felicidade. Que sujeito está se constituindo pelo trabalho?.
É importante considerarmos, primeiramente, que os aspectos psicossociais, isto é, os aspectos sociais, sociológicos e psicológicos do processo saúde doença no trabalho, estão amarrados uns aos outros, isto quer dizer que é extremamente dificil compreender um sem entender o outro. Então,o meu intuito aqui é refletir sobre como um destes aspectos é interveniente ao outro. Ou seja, como uma problemática ou um recurso social atravessa e é influenciado por problemáticas e recursos de órdem psicológica.
Os aspectos sociais implicados no trabalho são aqueles diretamente atravessados pelo conflito capital trabalho no modo de produção capitalista. Isto se resume da seguinte forma “as necessidades do capital, impõem a classe trabalhadora um modo de vida que atende as necessidades da classe proprietária dos meios de produção. Como por exemplo o ritmo acelerado de produção. Este ritmo acelerado não é uma necessidade de quem trabalha, pois certamente a consequencia é o adoecimento e, obviamente, ninguém alimenta o desejo de adoecer. O ritmo acelerado, que transcende e muito os limites da corporeidade humana, é sim, uma necessidade da classe que usufrui dos resultados do trabalho, que apropria os resultados do trabalho na forma de lucro. Esse conflito é inerente as relações de trabalho e com ele temos que lidar até enquanto ele existir.
Mas, esse conflito capital trabalho se reflete também nas condições de vida e de saúde da sociedade. Então, os apectos sociais de saúde e doença no trabalho são aqueles que verificamos no modo de vida das pessoas, isto é, os aspectos sociais do adoecimento podem ser obeservados na configuração da comunidade em que o trabalhador vive e nas condições de vida da família, ou seja, do lazer, da educação, do transporte, da segurança e da alimentação. Não é por acaso que a lei orgânica 8080 estabelece que a saúde, além do bem estar psicológico e físico das pessoas, envolve a totalidade de suas condições de vida. Ela refere às condições adequadas de trabalho, moradia, meio ambiente, saneamento básico, renda, educação, transporte, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais a vida. Podemos concluir, que o a saúde passa pela organização social e econômica do nosso país. Neste sentido, uma vivência pessoal de estar saudável ou doente também é atravessada por um fenômeno social.
Outro ponto relevante são os aspectos sociológicos do trabalho. Isso porque o suporte social do grupo, melhor dizendo, o tecimento de uma pessoa com grupos sejam estes família, amigos, colegas de trabalho também é fundamental para a constituição adequada do sujeito. Quero dizer, um sujeito seguro e autônomo. Neste ponto podemos pensar sobre a forma como o trabalho é organizado nas organizações e como ele possibilita ou inviabiliza a qualidade do tecimento da grupo familiar e os projetos pessoais do trabalhaor. A divisão de trabalho em turnos é um exemplo do trabalhador que dispões de uma temporalidade dirente para a convivência familiar, então, enquanto ele está dormindo os filhos estão na escola etc. Quando ele chega em casa do trabalho a família está dormindo e nos fins de semana ele se encontra fatigado. Assim, o tecimento familiar pode fragilizar-se. Podemos usar o estresse como exemplo. O estresse esta relacionado ao tipo de vínculo existente entre os colegas de trabalho e clientes, com a atividade de trabalho e seu impacto sobre a saúde do trabalhador e com a expectativa sobre os resultados do trabalho. Entre essas expectativas podemos mencionar o atendimento de qualidade ao público, o gerênciamento de equipe que envolve lidar e resolver conflitos, atingir metas, ritmo acelerado de produção, falta de controle do trabalhador sobre a sua atividade profissional etc. Neste sentido, para que não ocorra o estresse, é importante que a equipe que trabalha junto esteja preparada para lidar com as situações de conflito nas relações humanas no trabalho e as dificuldades referentes à organização do trabalho. É preciso ter uma iniciativa individual em prol de um modo de vida com mais qualidade mas também é necessária uma atitude positiva do próprio grupo que trabalha em conjunto. É mediante relações humanas que primam pela ética, segurança e autonômia que as pessoas conseguem estar com as outras sentindo-se seguras e confiantes. O ambiente de trabalho promove bons e maus encontros entre as pessoas. Um ambiente cheio de conflitos, como aqueles conhecidos como Assédio Moral, por exemplo, só pode gerar experiências pessoais de insegurnaça, desespero e num grau mais elevado, de sofrimento, a depressão.
Vimos que as relações de trabalho no seio da organização ligam-se às características das relações sociais, econômicas e políticas da sociedade abrangente. Portanto, ao se abarcar os aspectos culturais da organização, que incluem os aspectos sociológicos e psicológicos e a política interna, ao nível da pesquisa e do conhecimento, deve-se levar em conta “[...] o espaço social e político em que se realiza: a organização do processo de trabalho, a elaboração das políticas administrativo-organizacionais e a prática cotidiana dos agentes sociais desta relação. Isto significa redirecionar o modo de pensar as relações do trabalho em algumas de suas principais instâncias” como já disse Rosa Maria FISCHER no seu excelente texto 'Pondo os Pingos nos IS' - sobre as relações do trabalho e políticas de administração de Recursos Humanos.
As condições de trabalho atendem, antes de tudo, a obtenção do lucro e manutenção do poder, sendo que, desta forma, o trabalho torna-se ainda mais desgastante tanto física quanto psicologicamente ao trabalhador, visto que o lucro está embutido no tempo excedente de trabalho e o poder se conquista a custo das relações humanas. Desta formar, pode-se afirmar que a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais pode ser, certamente, uma expressão relevante das políticas internas em convergência com o contexto socioeconômico do qual a organização participa.
Por conseguinte, as políticas públicas, as organizações e os Estados pendem ora cá ora lá na relação conflituosa entre capital-trabalho. Da mesma forma, pendem neste ‘jogo de forças’ as produções de conhecimento científico em geral e na área da saúde e trabalho em particular
O conhecimento produzido pela área da saúde do trabalhador, ergonomia, sociologia do trabalho e psicologia do trabalho, é passível de ser apropriado muito mais pelos donos dos meios de produção, pelas diretorias de organizações, que mais facilmente tem acesso a ele e muitas vezes por ele pagam. Mesmo que seja evidente que uma técnica como o desenvolvimento de um programa de prevenção às doenças ocupacionais, pode ser utilizada ética e politicamente da forma que melhor se aprouver, uma mudança cultural na relação com o trabalho para ser eficaz tendo como resultado a manutenção da saúde, necessariamente deve ocorrer com o trabalhador e estender-se os todos setores da organização.
Acontece no desenvolvimento de programas nas organizações a falta de engajamento dos trabalhadores, apesar de sofrerem com acidentes e doenças ocupacionais. Mesmo que os objetivos do programa estejam pautados na superação das situações de desgaste, em virtude das condições de trabalho que são, amiúde, observadas. Mas os trabalhadores não vêm o programa da mesma forma de que aqueles que estão desenvolvendo-no, sobretudo se quem o desenvolve é contratado pela alta administração. É preciso intervir nas organizações levando em conta as necessidades do conjunto da organização, portanto, levando em conta a voz dos trabalhadores de todos os quadros hierárquicos. Cabe afirmar a importância de compreender-se os aspectos psicológicos inerentes ao engajamento dos trabalhadores e ao sentido do trabalho, sendo que, para tanto, há a necessidade técnica da delimitação dos aspectos sociológicos que implicam, por sua vez, também a política adotada na organização.
Aliado ao desenvolvimento técnico e científico que proporciona avanços na elaboração de instrumentos de trabalho para a industria moderna e contemporânea e para o setor de serviços, há avanços igualmente na organização do trabalho muitas vezes através das políticas de Recursos Humanos. Históricamente, a organização do trabalho faz-se como uma estratégia brilhante dos industriais e seus técnicos para aumentar a produção, isto é, produzir mais em menos tempo, intensificando-se o trabalho. No entanto, produzir mais e mais rápido em um tempo menor teve conseqüências para a vida dos trabalhadores e para o processo de produção. Uma delas é a reação dos trabalhadores em aceitar certas mudanças, mesmo que positivas para eles.
A política interna da organização necessariamente converge com uma política mais geral seja a política mundial que é mais proeminente em tempos de globalização, seja ela com característica peculiares a do país a que se aplica. Para exemplificar podemos utilizar um exemplo citado por BRAVERMAN no seu livro Trabalho e capital monopolista degradação do capital no século XX. Ele discute a demissão dos empregados da Ford pela inserção da “esteira transportadora”. Com esta nova maquinaria ocorre um aumento da intensidade do trabalho nos moldes como a compreende Alain WISNER. Neste período havia oferta de emprego no mercado que possibilitava que os trabalhadores insatisfeitos com a nova organização do trabalho e aqueles demitidos optassem por uma industria automobilística que adotasse ainda o antigo processo de trabalho, ou seja, sem a estreira transportadora. Logo em seguida a Ford desenvolve uma política interna que objetivava manter os seus funcionários que estavam insatisfeitos com as inovações proporcionadas pela esteira transportadora. Assim, deu-lhes um considerável aumento de salários e variadas premiações que logo foram adotadas pelas demais indústrias automobilísticas que também introduziram a esteira transportadora ao seu processo de trabalho. No entanto, logo que as industrias automobilísticas equipararam-se na utilização da tecnologia as premiações foram suspensas. Por conseguinte, os colaboradores tiveram que se submeter ao ritmo e organização do trabalho imposto pelo ‘mercado’, visto que não havia mais opção já que todas as organizações adotavam a esteira transportadora.
O campo de forças entre capital-trabalho pode ser observado no interior das organizações pelas convergências e divergências da organização do trabalho. Isto, tanto no que se refere à adoção de novos processos a partir de avanços tecnológicos como no caso da esteira transportadora ou da maquinaria computadorizada como no caso do gerenciamento da política interna.
E para terminar a minha fala, gostaria ainda de discutir o processo de adoecimento, prevenção e promoção da saúde levando em consideração os aspectos sociais e sociológicos acima elencados. E ainda, pensar perspectivas de diagnóstico e intervenção a partir da Análise Ergonômica do Trabalho e do desenvolvimento de programas de prevenção às doenças ou de promoção de saúde nas organizações.
            Certamente, todos gostaríamos de que o trabalho fosse promotor de saúde. Mas sabemos que em nossa sociedade ele é muito mais promotor de doenças.Nos perguntamos, em termos efetivos, como isto pode ocorrer? Como o trabalho pode ser promotor de saúde? Michel Foucault, nos estudos sobre a loucura e sobre a clínica nos ajuda a entender que a doença só tem sentido num determinado tempo histórico, numa determinada sociedade e para uma coletividade específica. Podemos refletir ainda sobre o sentido das doenças em geral, do sofrimento psíquico em particular até chegarmos ao seu maior grau que é um transtorno psicopatológico.
            Até o momento temos visto o trabalho como situação que engendra doenças. Isto porque o trabalho tem sido organizado de tal forma em que o sujeito é desconsiderado em sua humanidade e tratado como objeto, isto é, reificado.
            Controla-se o sujeito que trabalha e impõem-se um ritmo de trabalho para o sujeito que trabalha como se este ser humano fosse uma máquina. Até mesmo nos referimos ao ser humano que trabalha como se ele fosse uma máquina. Utilizamos expressões como “o desgaste”, o “estresse”... Exigimos do homem que ele extrapole seus limites humanos e ele arrebenta, estoura, não tem mais conserto. Não podemos consertar um homem como uma máquina pois este sujeito tem uma história, uma biografia que está marcada em seu corpo.
            Uma doença, um problema psicológico não é um defeito, é uma condição existencial que pode ser vivida como sofrimento. Conheço uma mulher, agricultora, que tem um câncer. Vamos considerar que este seja um câncer ocupacional. Sim, ela e seu médico identificam este câncer como ocupacional tendo como base o tipo de agricultura que a família realizava e os produtos químicos que costumava manipular. Mas, ela e a família enfrentam a situação. O câncer é um desafio que ela quer vencer. Afinal, ela quer viver. É neste sentido que digo que a doença pode ou não ser vivida pelo sofrimento ou como neste caso como superação. Contudo, este não é um ponto para ancorar nossas justificativas conservadoras. Apenas um sinal de que há liberdade, há resistência e há criatividade até mesmo nas situações mais difíceis, justamente, por ser esta a nossa condição humana. Parafraseando Jean-Paul Sartre, somos livres até mesmo para agirmos contra nós mesmos. Mas, também eu digo, para agirmos a nosso favor.
            Então, se não conseguimos organizar a nossa sociedade como promotora de saúde nos seus mais diversos perfis nos atemos a prevenção das doenças. No nosso caso especificamente, nos atemos a prevenção das doenças ocupacionais. Regulamos o ritmo de trabalho para que o sujeito não estoure de vez. Regulamos o calor e o ruído. Cuidamos para que o Assédio Moral não predomine. Parece que é o que podemos fazer como profissionais.
            A Ergonomia e a Clínica do Trabalho vem nos dar certos alentos, certas soluções bastante positivas. É preciso compreender a condição de trabalho a partir dela mesma. É preciso entender o processo de trabalho a partir dele mesmo, ou seja, da própria atividade. E também, resgatando Dejours, é preciso compreender o sujeito que trabalha a patir da própria representação que ele faz de si mesmo, dos outros, da organização do trabalho e de sua atividade. E aí nos deparamos com uma antiga contradição que é o próprio sujeito que trabalho que não usa o Equipamento de Proteção Individual, que remove a grade de segurança, que deixa de adotar as medidas preventivas etc. Para compreender estas idiossincrasias e como elas se configuram em cada situação pode-se recorrer a duas metodologias que particularmente considero eficientes. Uma delas é a Análise Ergonômica do Trabalho e a outra é a Clínica do Trabalho.
            A Análise Ergonômica do Trabalho, ao meu ver, possibilita identificar além dos aspectos técnicos do trabalho também os aspectos psicossociais, mais especificamento, os aspectos psicológicos como a ansiedade por exemplo. Demarca-se como importante iniciar a descrição visando ao processo de trabalho, isto é, seus instrumentos, seus fins e a própria atividade de trabalho. Neste ponto, os fenômenos de ordem psicológica passam a ser tangíveis e principalmente sua relação com os outros aspectos que compõem, invariavelmente, as mais diversas situações de trabalho. Em cada caso uma dimensão psicossocial importante pode ser identificada: a sobrecarga do trabalho, ressaltando a carga psíquica; a dimensão do futuro para a efetividade da atividade de trabalho, entre outras. Entretanto algo há de comum em todas as situações e que precisam ser observadas. Em primeiro lugar, a relação com os outros  (cliente, chefes, membros da equipe). Em segundo lugar, a relação com o tempo (histórico profissional e perspectivas de futuro). Em terceiro lugar, a relação com o mundo (instrumentos de trabalho, exigências das atividades). E, finalmente, a relação com o próprio corpo (fadiga, dor, conforto). A Análise Ergonômica do Trabalho visa à mudança da situação problema adaptando o trabalho ao homem, para tanto parte-se de dois princípios deontológicos: a verificação da verbalização do trabalhador e a saúde de quem trabalha.
A Análise Ergonômica do Trabalho pode integrar como metodologia de diagnóstico um programas de prevenção às doenças ocupacionais e aos acidentes de trabalho. Reconhecidamente têm se demarcado na literatura científica especializada duas questões precípuas . Uma delas é que o programa deve estar vinculado à política geral da organização. E a outra questão é que o diagnóstico e a intervenção sobre a cultura organizacional são necessários para que o programa atinja seus objetivos. Outro fator fundamental para o sucesso de Programas que visam a prevenção à doenças ocuapacionais e quem sabe até de promoção de saúde nas organizações é a avaliação de resultados. Para a análise crítica dos resultados do programa, sugere-se: 1) resgate histórico do programa; 2) considerar o ponto de vista de equipe que coordena o programa, e 3) avaliar o program junto aos participantes das atividades. Por fim, a bibliografia especializada sobre crítica de resultados de programas indica que que a coordenação do programa deve elaborar a sua própria política,  articula-la junto a política da organização e compreender os seus limites tendo em vista as condições sociais mais gerais e a cultura organizacional.
            Agradeço a atenção de todos e espero ter contribuído para a reflexão crítica e para a efetividade da atividade profissional de todos nós da área da saúde do trabalhador.

Palestra proferida no Simpósio sobre Ergonomia organizado pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANANT - em Chapecó, 2011.
Veja também:
III Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e o IV Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho
23, 24 e 25 de Outubro de 2013 - Em Gramado - RS
            

domingo, 24 de abril de 2011

PREVENÇÃO DO ESTRESSE NAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS

Andréa Luiza da Silveira
CRP-12/02021

O trabalho é tão importante na nossa vida que o perfil de ser trabalhador faz parte de nossa personalidade. Quando nos apresentamos ou somos apresentados para alguém logo surge como forma de reconhecimento a atividade profissional. Desta forma, quando um problema atinge nossa vida profissional normalmente afeta outros contextos, como as relações familiares, por exemplo. O trabalho é mediador de integração social tanto pelo valor econômico quanto pelo valor sócio-cultural que ele tem, o que demonstra sua influência na nossa saúde física e psíquica.
No nosso dia-a-dia podemos conceber o estresse como uma reação do organismo a demandas de ordem física, psíquica, infecciosa, capaz de abalar o bem estar e até originar o “estado de estresse pós-traumático” tal qual está classificado no Código Internacional das Doenças – CID-10. Podemos identificar alguns sinais de estresse: não fazermos mais o que faziamos antes ou aumentar os erros no que fazemos; insatisfação constante; o tempo livre não é mais suficiente para recuperarmos as forças; insônia ou muito sono; irritabilidade; infecções e gripes frequentes; problemas digestivos e intestinais; problemas de pele, cabelos e unhas; diminuição da libido ou impotência; tentativa de relaxamento com álcool, comida ou demais vícios; crises de ansiedade, depressão e pânico etc. Algumas doenças ligadas ao estresse são: hipertensão arterial; úlceras; infecções; diabetes; dores lombares; artrite; alterações psicológicas. Podemos observar que nada do que está escrito aqui é desconhecido, pois tais doenças ligadas ao estresse tem feito parte da vida de muitos de nós. Será que podemos ter um modo de vida mais gratificante ou é assim mesmo e pronto?
O estresse pode estar relacionado ao tipo de vínculo que estabelecemos com os colegas de trabalho e clientes, com a atividade de trabalho e seu impacto sobre nossa saúde e com a expectativa sobre os resultados do nosso trabalho. Entre essas expectativas podemos mencionar o atendimento de qualidade ao público, o gerênciamento de equipe que envolve lidar e resolver conflitos, atingir metas, ritmo acelerado de produção, falta de controle do trabalhador sobre o sua atividade profissional etc. Neste sentido, para que não ocorra o estresse, é importante que a equipe que trabalha junto esteja preparada para lidar com as situações de conflito nas relações humanas no trabalho e as dificuldades referentes à organização do trabalho. É preciso ter uma iniciativa individual em prol de um modo de vida com mais qualidade mas também é necessária uma atitude positiva do próprio grupo que trabalha em conjunto.
Apresentamos o quadro de Di Cavalcanti que representa um grupo de trabalhadores.
A qualidade de vida é conquistada a partir de iniciativas individuais, do grupo e organizacionais. As individuias são aquelas ações que dependem mais da própria pessoa, como ter uma alimentação balanceada, fazer atividades físicas, ter lazer (teatro, cinema, passeios), encontrar formas saudáveis de relaxar (caminhar, alongar, fazer exercícios respiratórios). As atitudes do grupo são aquelas negociadas entre as pessoas, como por exemplo: dialogar, resolver os problemas em conjunto, dividir responsabilidades etc. As ações organizacionais são aquelas que possibilitam as atitudes positivas do individuo e do grupo. Elas envovem as diretrizes da organização em prol da qualidade de vida, como: ritmo de trabalho adequado, horários de almoço e descanso adequados, estratégias de resolução de problemas etc. Atendendo a estes três aspectos: organizacionais, grupais e individuais, certamente, o estresse tende a ser controlado e até mesmo a diminuir. Lembrando que cada um de nós pode fazer a sua parte para prevenir o estresse e promover a saúde de todos. Entretanto, as questões políticas mais gerais necessitam de ações planejadas e executadas pelo coletivo dos trabalhadores.


Obs.: sobre a obra de Di Cavalcanti pesquise http://lumoura.com.br/2008/05/um-pouco-sobre-di-cavalcanti/