domingo, 27 de outubro de 2013


O modo de produção capitalista, os modelos de gestão e os aspectos psicológicos no trabalho
Andréa Luiza da Silveira
 I Semana do Servidor: Saúde Mental e Trabalho em Chapecó

Bom dia a todos e todas. E gostaria de agradecer o convite para participar desta mesa redonda numa atividade que julgo muito importante para este coletivo de trabalhadores, o coletivo dos trabalhadores público federais de Chapecó. E a contribuição que eu espero oferecer aqui é a reflexão sobre “O modo de produção capitalista, os modelos de gestão e os aspectos psicológicos no trabalho”.
Então, quando eu me pus a pensar sobre a fala que eu faria para vocês, três questões surgiram. (slide) A primeira questão foi por que pensar sobre a relação entre os aspectos psicológicos e o trabalho? A segunda questão foi por que a relação sofrimento psíquico e trabalho se configura como um problema? E a terceira questão que me fiz foi se poderíamos vislumbrar as soluções, quais seriam elas?
Bem, para podermos refletir nos termos propostos pelas questões temos que inicialmente, nós temos que deixar claros dois conceitos. O primeiro deles é o conceito de trabalho e outro conceito é o conceito de processo de trabalho. E então, a partir deste dois conceitos refletirmos sobre qual sujeito se constitui a partir da forma como os processos de trabalho são organizados hoje, na nossa sociedade contemporânea.
Então, para falarmos de saúde mental, doença mental ou sofrimento psíquico no trabalho e sua relação com a constituição do sujeito através do trabalho precisamos inicialmente localizar que tipo de conduta humana é o trabalho.
Segundo Sartre, no seu livro o Ser e o Nada, são três as categorias cardeais da realidade humana, o fazer, o ser e o ter. Para a realidade humana ser é escolher-se [...] “nada lhe vem de fora, ou tampouco de dentro, que ela possa receber ou aceitar.” O ter dá-se pelo status do que o ser possui, como o conhecimento, por exemplo. O trabalho é uma conduta humana que está na ordem, sobretudo, do fazer.
(slide) Como pontua Marcuse “O trabalho é um  fazer próprio do mundo humano em que ao agir o homem objetiva-se e ao objetivar-se, faz-se homem, um fazer que para além da natureza, da psicologia, da ciência econômica ou da técnica é ontológico.” O conceito que Marcuse propõem fundamenta-se no conceito de Marx, para quem o trabalho é uma atividade tipicamente humana em que o homem ao transformar o mundo transforma-se a si mesmo. Isso tudo quer dizer simplesmente que nós, seres humanos modificamos o mundo através do nosso trabalho e ao modifica-lo nos modificamos a nós mesmo, isto é, nos objetivamos no nosso fazer e, através dele, também nos subjetivamos.
Ora, isto nos leva a concluir que o trabalho é então, constitutivo do ser do homem, vale dizer, através do trabalho o ser-humano humanizou-se, desenvolveu o seu corpo e a sua psique – atividades cognitivas ou reflexão, o imaginário ou a condição de por um futuro à ação, a emoção ou a possibilidade de dar significado a ação, a afetividade. O trabalho foi desde a origem do sujeito, central para a constituição do sujeito, logo, para a constituição dos grupos humanos também.
(slide) A meu ver, a importância de se esclarecer a relação entre os aspectos psicológicos e o trabalho está em que o trabalho é constitutivo do nosso modo de ser em determinado tempo histórico. E assim, a forma como o trabalho está organizado em nossa sociedade atravessa diretamente as nossas possibilidades de subjetivação e de objetivação.
(slide) Como podemos conceber no sentido do que foi exposto até agora, esses dados, que foram nos foram concedidos pelo Sr. Roque Veiga, que os apresentou recentemente no II Seminário de Saúde dos Trabalhadores do Abate e Beneficiamento de Carnes de Chapecó/SC, que ocorreu aqui em Chapecó, ainda neste ano. Como nós podemos olhar para estes dados e o que podemos tirar deles?
Podemos observar que os transtornos mentais, as Ler/Dort etc. estão em evidencia. Essa evidencia nos provoca a pensar sobre os processos de trabalho que nos levam a situação que estes dados que estão aí representam.
(Slide) Parece-me que a segunda pergunta vai sendo respondida, isto é, por que a relação sofrimento psíquico e trabalho se configura como um problema para os profissionais e pesquisadores? Porque, simplesmente, o sofrimento psíquico no trabalho tornou-se um problema social que diz respeito a toda a coletividade. E essa totalização é muito importante porque através dela nós podemos vislumbrar também a resolução destes mesmos problemas.
Neste sentido é que falo em modo de produção capitalista, pois tal modo de produção é que impõe de certa forma, como o processo de trabalho deve ser organizado.
Mas, a meu ver, para que nós consigamos entender isso, precisamos saber o que é o processo de trabalho. (slide) O processo de trabalho é todo o caminha, do planejamento a execução, que resulta num produto, num benefício ou num serviço. O processo de trabalho constitui-se de: a) a própria atividade humana voltada a certos fins; b) ao objeto de trabalho e matéria prima; e c) aos meios de trabalho.
Deste modo, as ciências que estudam o trabalho recorrem a variadas metodologias para compreender a especificidade do processo de trabalho e de cada atividade realizada. E estes estudos encontram peculiaridades dos modos de objetivação e subjetivação do sujeito referentes àquela atividade específica, o que permite prever um nexo entre adoecimento e atividade. Mas, nós não temos como dar conta disto neste momento então vamos nos concentrar apenas nas dimensões mais gerais do processo de trabalho no capitalismo, que é o seguinte, no modo de produção capitalista o sujeito da ação, ou da atividade, está distante dos resultados da sua própria ação, ou ainda melhor dizendo, o sujeito da ação, aquele que trabalho não se apropria dos resultados de sua ação. O que Karl Marx chamou de trabalho alienado.
(slide) Laurel e Noriega, pesquisadores Mexicanos, ao analisarem o processo de produção e sua relação com a saúde, entenderam que “[...] sob o capitalismo é trabalho alienado e implica o uso deformado e deformante tanto do corpo como das potencialidades psíquicas, converte-se numa atividade cujo componente desgastante é muito maior que o da reposição e desenvolvimento das capacidades. É, pois, a combinação entre o desgaste e a reprodução que determina a constuição das formas históricas específicas biopsíquicas humanas. (Laurel e Noriefa, 1989)
Assim, as práticas que compõem os modelos de gestão desde sua origem, do taylorismo à gestão flexível, seguem os mesmos objetivos, a disciplina e o controle da classe trabalhadora ou, se quisermos, de um coletivo específico de trabalhadores. Eu diria ainda que atualmente, os modelos de gestão afetam, além de tudo, a organização politica dos trabalhadores para as lutas pela sua saúde, pelas adequadas condições de trabalho e de vida.
É muito importante nós notarmos que o objetivo primordial dos modelos de gestão pode-se dizer, desdobrou-se no controle dos seres-humanos para que estes se adaptem ou se submetam a jornada de trabalho, ao ritmo de trabalho e as relações humanas de trabalho como o processo decisório, por exemplo, de acordo com os interesse daqueles que a gestão representa. E nesse contexto mais geral encontramos as implicações do que chamamos sofrimento ou adoecimento relacionado ao trabalho, a exemplo da síndrome de bournaut, da depressão, das síndromes do pânico, ideação suicida e suicídios em locais de trabalho propriamente ditos e assim por diante.
            Frente a tal situação complexa podemos pensar em soluções? (slide) Creio que sim, mas não sozinhos, não pensando e agindo cada um por si.
As análises e intervenções de Christofhe Dejours, por exemplo, nos mostram que em organizações de trabalho onde o sofrimento psíquico é extremo encontra-se também um coletivo de trabalhadores que não conseguiram preservar ou lutar para manter as relações de solidariedade.
As iniciativas de Dejours e seus colaboradores é possibilitar, na medida em que uma metodologia pode fazê-lo, que as relações de solidariedade constituam-se novamente. E isso tem como consequência uma experiência do tipo “não estou só”, ou ainda, “conto com os outros”. Essa perspectiva de atuação técnica também valoriza a organização política. Podemos ver um exemplo no que Begue nos fala sobre uma intervenção que ela fez sob a orientação de Dejours, numa organização onde houveram vários suicídios, isto na França. Ela diz que “Fiquei impressionada pela qualidade do investimento no coletivo pelos seus membros. As sessões proporcionaram verdadeiros reencontros entre aqueles que se cruzavam pelos corredores a cada dia, permitiram às pessoas de se revelarem a si mesmas e aos outros. Eu imagino que elas passaram a se permitir novas solidariedades. Que novos laços puderam então surgir para transformar-se em capacidade de ação! (Dejours e Bègue, 2010, p. 103)
            Podemos ainda nos perguntar por que as questões políticas são tão importantes quanto os aspectos técnicos. Continuamos a tentar responder a terceira pergunta, quais soluções possíveis. Mas vamos agora fazer o inverso do que tínhamos feito antes, vamos partir do singular para o universal. Vamos tentar imaginar um homem que não consegue mais voltar ao trabalho, só de pensar em voltar ao trabalho perde a vontade de fazer qualquer coisa que seja, e quando tem algo que o leva a ir ao prédio do seu local de trabalho, treme, o coração acelera e não consegue sequer falar. Essa é uma situação hipotética e sem um diagnóstico preciso. Mas, como ele se sente? Muito possivelmente se sente sozinho.
            O anti-psiquiatra Van Den Berg, que escreveu o famoso livro, O paciente psiquiátrico, já dizia que a questão central do sofrimento é a solidão. Então a sugestão é tanto para a atuação clínica ou atendimento individual ao sujeito em sofrimento.
a)    Inicialmente é necessário compreender a relação entre os aspectos sociais e os psicológicos, exercício que tentamos fazer aqui; (a psicologia social e do trabalho dá conta disso);
b)    Em segundo lugar, fazer-se um diagnóstico que identifique a relação entre as atividades desenvolvidas e os processos de objetivação e subjetivação específicos a cada atividade e também sua relação com os modos de gestão; (a ergonomia pode contribuir);

c)    Pensar num programa da promoção de saúde considerando os princípios do Sus e as potencialidades da rede.




Mesa redonda: A configuração do trabalho na contemporaneidade: precarização e os agravos à saúde mental dos trabalhadores. Andréa Luiza da Silveira, Michele Lucas e Márcia Luiza Pit Dal Magro.


domingo, 4 de agosto de 2013

Algumas considerações sobre o cansaço no trabalho

As doenças orgânicas cujas multi-causas estão relacionadas ao trabalho tanto quanto as problemáticas de ordem psicológica estão ligadas a organização do trabalho. Em termos gerais, o trabalho (os trabalhadores e seus fins) está subordinado ao funcionamento da maquinaria e/ou dos processos em função dos interesses quase exclusivos do capital. Neste sentido, na medida em que as pessoas estão subordinadas aos objetos perdem-se as condições para as relações humanas de reciprocidade fragilizando tanto as relações sociais quanto as condições adequadas para a segurança psicológica. 
Geralmente, as queixas relacionadas ao trabalho aparecem entre outras  queixas combinadas aos demais contextos de vida. Sinteticamente, podemos afirmar que as pessoas tendem a sentirem-se inviabilizadas para realizarem o que querem de sua vida. A fadiga, em geral, é expressa pelas seguintes queixas iniciais, acordar cansado(a), ser acometido(a) por pesadelos ou/e não conseguir dormir etc. Isto quer dizer que uma noite de sono não tem sido suficiente para repor as energias e, também, em muitos casos, que a noite de sono não tem sido contínua.
A continuidade do sono é importante para a saúde de pessoas, o que costumamos designar como dormir bem, pois terá implicações em como nos sentiremos ao longo dos dias. Mas, a questão central é a seguinte por que as pessoas ficam tão cansadas por causa do trabalho delas? E qual a relação desse cansaço inicial com outros problemas psicológicos?
São muitas as variáveis a serem discutidas para responder a esta pergunta complexa. Por um lado, temos as condições sociais de vida tais como as condições de moradia, de ida e volta ao trabalho, de alimentação etc. E, por outro lado, temos as condições de trabalho, tais como o ritmo de trabalho, a jornada de trabalho, as exigências de trabalho, os intervalos e pausas necessárias ao longo da jornada de trabalho, as relações humanas no trabalho e as especificidades de cada atividade particular.
Entretanto, parece-nos importante, de modo geral, pensarmos sobre o cansaço no trabalho, pois ele constitui um dos passos dos caminhos que levam a exaustão no trabalho. A exaustão ou fadiga pode vir acompanhada pela perda da alegria no trabalho. Desta modo, a exaustão gerada nos contextos de trabalho pode interferir nos demais contextos da vida da pessoa até no seu ponto máximo, que é constituir alguma psicopatologia, como por exemplo, a síndrome de burnout.
No inicio é apenas um desconforto e certa insatisfação que podem levar a preocupações maiores até provocar insônia, por exemplo. Algumas relações com os colegas de trabalho causam mal estar, pelas mais diversas razões, como o assédio moral por exemplo. As preocupações e dificuldades podem atingir tal grandeza que chagam a gerar ansiedade, desagrado em estar naquele ambiente até chegar ao desejo de não estar mais ali ou de não suportar a ideia de ter que ir para o trabalho após levantar-se pela manhã. Aquelas atividades de trabalho, corriqueiras e que antes eram prazerosas vão deixando de o ser. O que antes o trabalhador fazia com alegria ou com facilidade passa a ser de difícil execução. As noites de sono não são mais suficientes para o descanso. As atividades de lazer vão perdendo o sentido e não é mais divertido estar com a família, como os amigos etc. E assim, cada vez mais o trabalhador vai se sentindo exausto, fatigado, sem vontade de trabalhar, de estar com a família, de estar com os amigos. Sente vontade de dormir, de descansar, mas o fim de semana não é suficiente. E na segunda-feira começa tudo de novo.
O trabalhador que vivência esta situação já não faz mais diferença entre o que é problema dele e o que é problema da organização do trabalho, das outras pessoas no trabalho, do seu contexto de vida fora do trabalho. Confunde tudo e às vezes, sente-se culpado(a), fracassado(a) e sozinho(a). Mas, não perde a vontade de trabalhar, gostaria de voltar a ser como antes, alegre, ativo(a), positivo(a), mas não consegue enfrentar as exigências no trabalho que transcendem as suas capacidades naquele momento da sua vida. Decorre daí a perda de função do trabalho na vida da pessoa.
A psicoterapia pode auxiliar a pessoa que vivência o esgotamento profissional. Porém, o esgotamento ou exaustão pode ser evitado desde o inicio com o auxilio da psicologia clínica. Cada um de nós pode observar estas mudanças e ao dar-se conta delas agir para superá-las, logo no inicio.
Quadro de Salvador Dalí
Entretanto, é importante lembrar que o sofrimento é vivido como individual e muitas vezes as pessoas não se dão conta do quanto seus problemas estão relacionados ao trabalho e também do quanto as outras pessoas no trabalho estão em sofrimento. Isto porque as relações de trabalho, a dinâmica do grupo de trabalho e os processos de trabalho, cada vez mais, fogem ao controle do trabalhador.


Nosso objetivo então foi apenas alertar as pessoas na busca da psicoterapia que dever servir para que a pessoa viva melhor. Entretanto, a psicoterapia é um tipo de intervenção individual e os problemas no trabalho são coletivos e para serem resolvidos dependem também das outras pessoas e da própria forma como o trabalho se organiza. Portanto, modificar o contexto de trabalho deve ser uma proposta do coletivo e isto está no campo político. Uma dica pertinente para os trabalhadores é observar quais modificações estão ocorrendo ou ocorreram no seu local de trabalho e como elas afetam cada um, singularmente, e o coletivo.


III Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e o IV Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho
23, 24 e 25 de Outubro de 2013 - Em Gramado - RS