Um paciente disse-me certa vez quando lhe perguntei o motivo pelo qual me procurou “Sou como morto vivo, minha vida não tem mais sentido, não tenho ânimo para levantar-me pela manhã, não sinto nenhuma alegria no meu dia-a-dia”. A depressão é vivida pelas pessoas de forma muito diversificada, mas, há algo em comum entre estas pessoas, isto é, falta-lhes sentido na vida.
Depois de uma introdução destas cabe a pergunta “Desde quando esta falta de gosto pela vida lhe ocorre?” As respostas variam. Eis algumas delas:
Sra. viúva - “Bem, eu..... perdi meu marido faz alguns anos, desde então.....”
Sr. Cardíaco - “Quando o problema cardíaco começou, eu não pude viver mais do modo que vivia. Tive que parar com o futebol, depois agente fazia um churrasquinho, uma cervejinha... a mulher quer que eu largue o cigarro... brigamos por isso... sabe como é.”
Sra. Solitária - “Eu vivia para os filhos, para a família né... Nunca tive tempo para mim, eu sempre em último lugar. Agora foram todos embora. Se não bastasse os filhos... cada um numa cidade... ainda o marido me largou.... (choro)”
Srta. sem êxito – “Quero crescer profissionalmente, mas no mundo não há lugar para mim. Sou feia e chata...”
Estas queixas são todas fictícias, pois não se pode expor um paciente. Entretanto, de tão corriqueiras muitos dos que estão lendo o texto podem identificar-se com elas. O psicólogo, neste ponto, deve pensar qual a relação que este paciente estabelece com o seu futuro. Deve pensar deste modo porque o paciente com depressão estabelece uma determinada relação com o futuro, na qual este futuro não tem sentido. “Vejo-me só, sem ninguém, e assim permanecerei”, “agora com essa cardiopatia nunca mais vou divertir-me, então é melhor não fazer mais nada”. O futuro que este paciente almeja aparece-lhe como inviabilizado.
É possível superar a depressão. Em primeiro lugar, é importante pensar em perspectivas mais imediatas. O que é possível viabilizar neste momento da vida. Em segundo lugar, compreender que não é possível viver o que foi vivido no passado. Havia um projeto de ser neste passado, como por exemplo, ser mãe e esposa e cuidar da família; ter amigos, fazer festas, brincar, tomar cervejas, fumar, varar a noite. Entretanto, existem elementos deste passado que podem ser vividos de uma forma diferente. Portanto, em terceiro lugar, há um novo projeto que deve ser posicionado, ser mãe de filhos adultos e independentes, curtir com os amigos, mas sem aquelas extravagâncias etc.
A depressão ocorre a uma pessoa porque o ser-humano é desejo e projeto de ser. Desejo de ser e projeto de ser envolve a realização do desejo de ser no cotidiano. A encarnação do desejo é o projeto de ser. Na relação com o futuro desejado é que as ações cotidianas têm sentido, isto é, alimentando o desejo no dia a dia. Esta relação, com o que foi construído ao longo da história da pessoa e suas perspectivas de futuro muda, ao longo da própria história. Essa transição, em geral, apresenta alguma dificuldade. Mas, para algumas pessoas esta dificuldade aparece-lhe como inviablização do seu desejo. Ao sentir-se inviabilizada vai deixando de fazer algumas coisas, vai entristecendo-se, vai deixando de fazer ainda mais coisas até encontrar-se muito triste, sem ânimo para nada “sem sentido para a vida”.
O ser-humano não existe antes de fazer-se. Portanto, aí está o segredo. Fazer-se, quer dizer, abrir novos horizontes, novas perspectivas agindo nesta direção. Mesmo que no inicio seja difícil, com o acompanhamento psicológico adequado, o paciente supera a depressão, pois estabelece para si um projeto de ser, dentro das novas possibilidades que se apresentam em sua vida, que pode ser diferente do que foi, mas não menos satisfatória, ou quem sabe, ainda mais satisfatória.