Andréa Luiza da Silveira
psicóloga - CRP-12/02021
Bom dia a todos e todas.
Hoje pretendo discutir os aspectos psicossociais do trabalho e importância de sua discriminação e compreensão para se pensar, planejar e executar soluções para se superar o adoencimento no trablho, ou pelo menos, melhorar as condições de trabalho.
Gostaria de agrader a ANAMT e, em especial ao Dr. Carlos Campos, o convite para falar sobre os “Aspectos psicossociais do processo saúde_doença no trabalho”. E gostaria de agredecer também a Dra. Isabel Amorim, quem me fez o convite inicialmente.
Bem, eu sou psicóloga, atualmente atuo como professora da Unochapecó e como psicóloga clínica. Fiz meu mestrado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina e abordei como tema central a prevenção às doenças ocupacionais. Por um lado eu tenho muita afinidade acadêmica com o tema que me proponho a apresentar hoje e por outro ele é um tema que me mobiliza muito. Este tema me mobiliza por ser o trabalho uma relação que promove mais adoenciemento do que saúde. O trabalho é um tipo de relação que as pessoas estabelecem umas com as outras, com uma atividade socialmente necessaria para a reprodução da própria vida e também uma relação que as pessoas estabelecem consigo mesmas, parafraseando Marcurse “o trabalho é uma categoria ontológica constitutiva do ser do sujeito.” A reflexão aqui é a seguinte “Ora, se o trabalho promove o sofrimento em vez da felicidade. Que sujeito está se constituindo pelo trabalho?.
É importante considerarmos, primeiramente, que os aspectos psicossociais, isto é, os aspectos sociais, sociológicos e psicológicos do processo saúde doença no trabalho, estão amarrados uns aos outros, isto quer dizer que é extremamente dificil compreender um sem entender o outro. Então,o meu intuito aqui é refletir sobre como um destes aspectos é interveniente ao outro. Ou seja, como uma problemática ou um recurso social atravessa e é influenciado por problemáticas e recursos de órdem psicológica.
Os aspectos sociais implicados no trabalho são aqueles diretamente atravessados pelo conflito capital trabalho no modo de produção capitalista. Isto se resume da seguinte forma “as necessidades do capital, impõem a classe trabalhadora um modo de vida que atende as necessidades da classe proprietária dos meios de produção. Como por exemplo o ritmo acelerado de produção. Este ritmo acelerado não é uma necessidade de quem trabalha, pois certamente a consequencia é o adoecimento e, obviamente, ninguém alimenta o desejo de adoecer. O ritmo acelerado, que transcende e muito os limites da corporeidade humana, é sim, uma necessidade da classe que usufrui dos resultados do trabalho, que apropria os resultados do trabalho na forma de lucro. Esse conflito é inerente as relações de trabalho e com ele temos que lidar até enquanto ele existir.
Mas, esse conflito capital trabalho se reflete também nas condições de vida e de saúde da sociedade. Então, os apectos sociais de saúde e doença no trabalho são aqueles que verificamos no modo de vida das pessoas, isto é, os aspectos sociais do adoecimento podem ser obeservados na configuração da comunidade em que o trabalhador vive e nas condições de vida da família, ou seja, do lazer, da educação, do transporte, da segurança e da alimentação. Não é por acaso que a lei orgânica 8080 estabelece que a saúde, além do bem estar psicológico e físico das pessoas, envolve a totalidade de suas condições de vida. Ela refere às condições adequadas de trabalho, moradia, meio ambiente, saneamento básico, renda, educação, transporte, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais a vida. Podemos concluir, que o a saúde passa pela organização social e econômica do nosso país. Neste sentido, uma vivência pessoal de estar saudável ou doente também é atravessada por um fenômeno social.
Outro ponto relevante são os aspectos sociológicos do trabalho. Isso porque o suporte social do grupo, melhor dizendo, o tecimento de uma pessoa com grupos sejam estes família, amigos, colegas de trabalho também é fundamental para a constituição adequada do sujeito. Quero dizer, um sujeito seguro e autônomo. Neste ponto podemos pensar sobre a forma como o trabalho é organizado nas organizações e como ele possibilita ou inviabiliza a qualidade do tecimento da grupo familiar e os projetos pessoais do trabalhaor. A divisão de trabalho em turnos é um exemplo do trabalhador que dispões de uma temporalidade dirente para a convivência familiar, então, enquanto ele está dormindo os filhos estão na escola etc. Quando ele chega em casa do trabalho a família está dormindo e nos fins de semana ele se encontra fatigado. Assim, o tecimento familiar pode fragilizar-se. Podemos usar o estresse como exemplo. O estresse esta relacionado ao tipo de vínculo existente entre os colegas de trabalho e clientes, com a atividade de trabalho e seu impacto sobre a saúde do trabalhador e com a expectativa sobre os resultados do trabalho. Entre essas expectativas podemos mencionar o atendimento de qualidade ao público, o gerênciamento de equipe que envolve lidar e resolver conflitos, atingir metas, ritmo acelerado de produção, falta de controle do trabalhador sobre a sua atividade profissional etc. Neste sentido, para que não ocorra o estresse, é importante que a equipe que trabalha junto esteja preparada para lidar com as situações de conflito nas relações humanas no trabalho e as dificuldades referentes à organização do trabalho. É preciso ter uma iniciativa individual em prol de um modo de vida com mais qualidade mas também é necessária uma atitude positiva do próprio grupo que trabalha em conjunto. É mediante relações humanas que primam pela ética, segurança e autonômia que as pessoas conseguem estar com as outras sentindo-se seguras e confiantes. O ambiente de trabalho promove bons e maus encontros entre as pessoas. Um ambiente cheio de conflitos, como aqueles conhecidos como Assédio Moral, por exemplo, só pode gerar experiências pessoais de insegurnaça, desespero e num grau mais elevado, de sofrimento, a depressão.
Vimos que as relações de trabalho no seio da organização ligam-se às características das relações sociais, econômicas e políticas da sociedade abrangente. Portanto, ao se abarcar os aspectos culturais da organização, que incluem os aspectos sociológicos e psicológicos e a política interna, ao nível da pesquisa e do conhecimento, deve-se levar em conta “[...] o espaço social e político em que se realiza: a organização do processo de trabalho, a elaboração das políticas administrativo-organizacionais e a prática cotidiana dos agentes sociais desta relação. Isto significa redirecionar o modo de pensar as relações do trabalho em algumas de suas principais instâncias” como já disse Rosa Maria FISCHER no seu excelente texto 'Pondo os Pingos nos IS' - sobre as relações do trabalho e políticas de administração de Recursos Humanos.
As condições de trabalho atendem, antes de tudo, a obtenção do lucro e manutenção do poder, sendo que, desta forma, o trabalho torna-se ainda mais desgastante tanto física quanto psicologicamente ao trabalhador, visto que o lucro está embutido no tempo excedente de trabalho e o poder se conquista a custo das relações humanas. Desta formar, pode-se afirmar que a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais pode ser, certamente, uma expressão relevante das políticas internas em convergência com o contexto socioeconômico do qual a organização participa.
Por conseguinte, as políticas públicas, as organizações e os Estados pendem ora cá ora lá na relação conflituosa entre capital-trabalho. Da mesma forma, pendem neste ‘jogo de forças’ as produções de conhecimento científico em geral e na área da saúde e trabalho em particular
O conhecimento produzido pela área da saúde do trabalhador, ergonomia, sociologia do trabalho e psicologia do trabalho, é passível de ser apropriado muito mais pelos donos dos meios de produção, pelas diretorias de organizações, que mais facilmente tem acesso a ele e muitas vezes por ele pagam. Mesmo que seja evidente que uma técnica como o desenvolvimento de um programa de prevenção às doenças ocupacionais, pode ser utilizada ética e politicamente da forma que melhor se aprouver, uma mudança cultural na relação com o trabalho para ser eficaz tendo como resultado a manutenção da saúde, necessariamente deve ocorrer com o trabalhador e estender-se os todos setores da organização.
Acontece no desenvolvimento de programas nas organizações a falta de engajamento dos trabalhadores, apesar de sofrerem com acidentes e doenças ocupacionais. Mesmo que os objetivos do programa estejam pautados na superação das situações de desgaste, em virtude das condições de trabalho que são, amiúde, observadas. Mas os trabalhadores não vêm o programa da mesma forma de que aqueles que estão desenvolvendo-no, sobretudo se quem o desenvolve é contratado pela alta administração. É preciso intervir nas organizações levando em conta as necessidades do conjunto da organização, portanto, levando em conta a voz dos trabalhadores de todos os quadros hierárquicos. Cabe afirmar a importância de compreender-se os aspectos psicológicos inerentes ao engajamento dos trabalhadores e ao sentido do trabalho, sendo que, para tanto, há a necessidade técnica da delimitação dos aspectos sociológicos que implicam, por sua vez, também a política adotada na organização.
Aliado ao desenvolvimento técnico e científico que proporciona avanços na elaboração de instrumentos de trabalho para a industria moderna e contemporânea e para o setor de serviços, há avanços igualmente na organização do trabalho muitas vezes através das políticas de Recursos Humanos. Históricamente, a organização do trabalho faz-se como uma estratégia brilhante dos industriais e seus técnicos para aumentar a produção, isto é, produzir mais em menos tempo, intensificando-se o trabalho. No entanto, produzir mais e mais rápido em um tempo menor teve conseqüências para a vida dos trabalhadores e para o processo de produção. Uma delas é a reação dos trabalhadores em aceitar certas mudanças, mesmo que positivas para eles.
A política interna da organização necessariamente converge com uma política mais geral seja a política mundial que é mais proeminente em tempos de globalização, seja ela com característica peculiares a do país a que se aplica. Para exemplificar podemos utilizar um exemplo citado por BRAVERMAN no seu livro Trabalho e capital monopolista degradação do capital no século XX. Ele discute a demissão dos empregados da Ford pela inserção da “esteira transportadora”. Com esta nova maquinaria ocorre um aumento da intensidade do trabalho nos moldes como a compreende Alain WISNER. Neste período havia oferta de emprego no mercado que possibilitava que os trabalhadores insatisfeitos com a nova organização do trabalho e aqueles demitidos optassem por uma industria automobilística que adotasse ainda o antigo processo de trabalho, ou seja, sem a estreira transportadora. Logo em seguida a Ford desenvolve uma política interna que objetivava manter os seus funcionários que estavam insatisfeitos com as inovações proporcionadas pela esteira transportadora. Assim, deu-lhes um considerável aumento de salários e variadas premiações que logo foram adotadas pelas demais indústrias automobilísticas que também introduziram a esteira transportadora ao seu processo de trabalho. No entanto, logo que as industrias automobilísticas equipararam-se na utilização da tecnologia as premiações foram suspensas. Por conseguinte, os colaboradores tiveram que se submeter ao ritmo e organização do trabalho imposto pelo ‘mercado’, visto que não havia mais opção já que todas as organizações adotavam a esteira transportadora.
O campo de forças entre capital-trabalho pode ser observado no interior das organizações pelas convergências e divergências da organização do trabalho. Isto, tanto no que se refere à adoção de novos processos a partir de avanços tecnológicos como no caso da esteira transportadora ou da maquinaria computadorizada como no caso do gerenciamento da política interna.
E para terminar a minha fala, gostaria ainda de discutir o processo de adoecimento, prevenção e promoção da saúde levando em consideração os aspectos sociais e sociológicos acima elencados. E ainda, pensar perspectivas de diagnóstico e intervenção a partir da Análise Ergonômica do Trabalho e do desenvolvimento de programas de prevenção às doenças ou de promoção de saúde nas organizações.
Certamente, todos gostaríamos de que o trabalho fosse promotor de saúde. Mas sabemos que em nossa sociedade ele é muito mais promotor de doenças.Nos perguntamos, em termos efetivos, como isto pode ocorrer? Como o trabalho pode ser promotor de saúde? Michel Foucault, nos estudos sobre a loucura e sobre a clínica nos ajuda a entender que a doença só tem sentido num determinado tempo histórico, numa determinada sociedade e para uma coletividade específica. Podemos refletir ainda sobre o sentido das doenças em geral, do sofrimento psíquico em particular até chegarmos ao seu maior grau que é um transtorno psicopatológico.
Até o momento temos visto o trabalho como situação que engendra doenças. Isto porque o trabalho tem sido organizado de tal forma em que o sujeito é desconsiderado em sua humanidade e tratado como objeto, isto é, reificado.
Controla-se o sujeito que trabalha e impõem-se um ritmo de trabalho para o sujeito que trabalha como se este ser humano fosse uma máquina. Até mesmo nos referimos ao ser humano que trabalha como se ele fosse uma máquina. Utilizamos expressões como “o desgaste”, o “estresse”... Exigimos do homem que ele extrapole seus limites humanos e ele arrebenta, estoura, não tem mais conserto. Não podemos consertar um homem como uma máquina pois este sujeito tem uma história, uma biografia que está marcada em seu corpo.
Uma doença, um problema psicológico não é um defeito, é uma condição existencial que pode ser vivida como sofrimento. Conheço uma mulher, agricultora, que tem um câncer. Vamos considerar que este seja um câncer ocupacional. Sim, ela e seu médico identificam este câncer como ocupacional tendo como base o tipo de agricultura que a família realizava e os produtos químicos que costumava manipular. Mas, ela e a família enfrentam a situação. O câncer é um desafio que ela quer vencer. Afinal, ela quer viver. É neste sentido que digo que a doença pode ou não ser vivida pelo sofrimento ou como neste caso como superação. Contudo, este não é um ponto para ancorar nossas justificativas conservadoras. Apenas um sinal de que há liberdade, há resistência e há criatividade até mesmo nas situações mais difíceis, justamente, por ser esta a nossa condição humana. Parafraseando Jean-Paul Sartre, somos livres até mesmo para agirmos contra nós mesmos. Mas, também eu digo, para agirmos a nosso favor.
Então, se não conseguimos organizar a nossa sociedade como promotora de saúde nos seus mais diversos perfis nos atemos a prevenção das doenças. No nosso caso especificamente, nos atemos a prevenção das doenças ocupacionais. Regulamos o ritmo de trabalho para que o sujeito não estoure de vez. Regulamos o calor e o ruído. Cuidamos para que o Assédio Moral não predomine. Parece que é o que podemos fazer como profissionais.
A Ergonomia e a Clínica do Trabalho vem nos dar certos alentos, certas soluções bastante positivas. É preciso compreender a condição de trabalho a partir dela mesma. É preciso entender o processo de trabalho a partir dele mesmo, ou seja, da própria atividade. E também, resgatando Dejours, é preciso compreender o sujeito que trabalha a patir da própria representação que ele faz de si mesmo, dos outros, da organização do trabalho e de sua atividade. E aí nos deparamos com uma antiga contradição que é o próprio sujeito que trabalho que não usa o Equipamento de Proteção Individual, que remove a grade de segurança, que deixa de adotar as medidas preventivas etc. Para compreender estas idiossincrasias e como elas se configuram em cada situação pode-se recorrer a duas metodologias que particularmente considero eficientes. Uma delas é a Análise Ergonômica do Trabalho e a outra é a Clínica do Trabalho.
A Análise Ergonômica do Trabalho, ao meu ver, possibilita identificar além dos aspectos técnicos do trabalho também os aspectos psicossociais, mais especificamento, os aspectos psicológicos como a ansiedade por exemplo. Demarca-se como importante iniciar a descrição visando ao processo de trabalho, isto é, seus instrumentos, seus fins e a própria atividade de trabalho. Neste ponto, os fenômenos de ordem psicológica passam a ser tangíveis e principalmente sua relação com os outros aspectos que compõem, invariavelmente, as mais diversas situações de trabalho. Em cada caso uma dimensão psicossocial importante pode ser identificada: a sobrecarga do trabalho, ressaltando a carga psíquica; a dimensão do futuro para a efetividade da atividade de trabalho, entre outras. Entretanto algo há de comum em todas as situações e que precisam ser observadas. Em primeiro lugar, a relação com os outros (cliente, chefes, membros da equipe). Em segundo lugar, a relação com o tempo (histórico profissional e perspectivas de futuro). Em terceiro lugar, a relação com o mundo (instrumentos de trabalho, exigências das atividades). E, finalmente, a relação com o próprio corpo (fadiga, dor, conforto). A Análise Ergonômica do Trabalho visa à mudança da situação problema adaptando o trabalho ao homem, para tanto parte-se de dois princípios deontológicos: a verificação da verbalização do trabalhador e a saúde de quem trabalha.
A Análise Ergonômica do Trabalho pode integrar como metodologia de diagnóstico um programas de prevenção às doenças ocupacionais e aos acidentes de trabalho. Reconhecidamente têm se demarcado na literatura científica especializada duas questões precípuas . Uma delas é que o programa deve estar vinculado à política geral da organização. E a outra questão é que o diagnóstico e a intervenção sobre a cultura organizacional são necessários para que o programa atinja seus objetivos. Outro fator fundamental para o sucesso de Programas que visam a prevenção à doenças ocuapacionais e quem sabe até de promoção de saúde nas organizações é a avaliação de resultados. Para a análise crítica dos resultados do programa, sugere-se: 1) resgate histórico do programa; 2) considerar o ponto de vista de equipe que coordena o programa, e 3) avaliar o program junto aos participantes das atividades. Por fim, a bibliografia especializada sobre crítica de resultados de programas indica que que a coordenação do programa deve elaborar a sua própria política, articula-la junto a política da organização e compreender os seus limites tendo em vista as condições sociais mais gerais e a cultura organizacional.
Agradeço a atenção de todos e espero ter contribuído para a reflexão crítica e para a efetividade da atividade profissional de todos nós da área da saúde do trabalhador.
Palestra proferida no Simpósio sobre Ergonomia organizado pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANANT - em Chapecó, 2011.
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III Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e o IV Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho
23, 24 e 25 de Outubro de 2013 - Em Gramado - RS