sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A anorexia e a bulimia: uma discussão sobre a relação com o corpo

Como vivo meu corpo? Uma das possibilidade de viver o corpo é “a posse”. Este tipo de relação que estabelecemos com nosso próprio corpo é o mesmo tipo de relação que estabelecemos com o corpo do outro e, do mesmo modo, o tipo de relação que o outro estabelece com o nosso. Isto é, quando vivemos situações como meu coração está doente, meu nariz é feio, minhas mãos são bonitas. Outra possibilidade é experienciar meu corpo. Como por exemplo, Quando subo uma escada, sinto-me sufocar, já não tenha a mesma resistência, ou Cheguei e ele me olhou, senti-me especial e linda!

Ambas as maneiras de viver o corpo que eu tenho ou o corpo que eu sou ocorrem no cotidiano e geralmente não há nenhum problema. Mas, para algumas pessoas, viver o seu corpo é viver uma espécie de sofrimento. Por exemplo, uma jovem que avalia seu corpo como se fosse o corpo do outro. Utiliza para avaliar-se, como o corpo que eu tenho os preceitos para avaliar o corpo de uma modelo de passarela. Ela se descreve assim:

Tenho lábios muito carnudos, nariz meio de batatinha, testa mais escura que o resto do rosto e um pouco grande, cabelos muitos ressecados e volumosos, braço gordinho e antebraço seco, barriguinha saliente e estômago com intestino preguiçoso, culotes e gordurinhas localizadas na região do quadril, que se contrapõe com as minhas canelas finas. Um monte de manchas nos braços, nas costas, na bunda, no quadril, na parte de trás das coxas, cotovelo e joelho escuros, manchas de nascença na parte de trás da coxa direita e na parte de trás da canela esquerda, fios grisalhos nos pelos pubianos, na sobrancelha e uns poucos na cabeça. Seios muito pequenos e com os bicos grandes e escuros. Eu gostaria de mudar 90% de todo esse sofrimento, mas seria preciso muito dinheiro.

O sofrimento que esta jovem menciona toma a forma de: vergonha de tirar a roupa na frente de alguém o que atrapalha a sua sexualidade, as vezes acredita que as pessoas estão olhando para ela e rindo dela, portanto ela evita sair na rua. Ela acredita que se for magra será também segura frente a sua sexualidade e frente às pessoas em geral. Magra para ela é ter o padrão peso/altura definidos pela indústria da moda. Então, para ser magra ela começou a tentar vomitar depois de comer, pois não conseguiu deixar de comer, mas o ideal para ela seria deixar de comer. Assim, se inicia um processo denominado bulimia. Além do vômito provocado existem outros artifícios que se utilizados podem denotar a bulimia, como por exemplo, o uso de laxantes.

Na bulimia, como na anorexia (medo de engordar) a jovem considera-se gorda mesmo com o peso normal e até mesmo com peso abaixo do normal. Tem um ideal de ter um outro corpo que não o seu enquanto deseja ser magra, não importando a conseqüência, seja a doença ou a morte. Uma jovem de 18 anos escreve um relato justificando porque ela é 'ana'. Ela, como tantas outras, instituicionalizou a anorexia como Ana, neste sentido, ela própria é a anorexia.


Sou Ana porque...


Porque eu quero ser linda
Porque quero que todos sintam inveja de mim
Porque eu vou Ter muita confiança.
Porque vou ficar bem em qualquer roupa
Porque eu não vou Ter inveja de ninguém
Porque estou cansada deste circulo vicioso de comida
Porque eu não consegui ainda
Porque eu não quero ser louca para sempre
Porque estou entediada
Porque quero ser melhor
Porque eu não quero ser gorda
Porque gordo é horroroso
Porque eu não me sinto confortável na minha própria pele
Porque eu vou ser
Porque só nisso que eu penso
Porque eu vim até aqui
Porque estou cansada de esperar
Porque quero que meu namorado tenha a garota perfeita
e eu quero que ela seja eu
Porque eu sou mais forte que comida
Porque comida me faz fisicamente invalida
Porque Deus me deu a força de vontade
Porque comida é igual a Crack
Porque eu tenho que quebrar o vicio
Porque eu vou me odiar se eu não o fizer
Porque eu choro toda noite com nojo de mim mesma
Porque eu tenho medo de subir na balança
Porque a Gloria vai ser minha
Porque eu posso ser perfeita, mas eu preciso ser forte
Por causa do ontem
Por causa do amanha
Porque todo mundo pensa que eu não posso consegui-lo
Porque ninguém me leva a serio
Porque me fará feliz
Porque amanha nunca chega
Porque eu vou provar que posso conseguir
Porque eu sempre quis isso
Porque eu posso fazer isso !



Neste sentido, a relação com a alimentação, com o corpo como se fosse o corpo de outro, deve ser sustentado durante todos os dias, durante todas as refeições, durante todo o tempo, pois o corpo deve ser avaliado constantemente. Aliado a isto, esta jovem experiencia o corpo que eu sou na relação com a alimentação, por exemplo, como fraqueza sua por ter se alimentado ao invés de experimentar-se saciada quando tem sede e quando tem fome.

Este tipo de relação com o corpo e com a alimentação, permeada pelo horror a engordar e pela repulsa da alimentação é justificado pelo intuito de ser bela(o) e amada(o). Mas, de fato, as crianças, jovens e adultos que estabelecem esta relação com o corpo tornam-se cada vez mais inseguras(os) e doentes. Além disto, costumam esconder sua relação com o corpo e com a alimentação das pessoas que lhes são próximas e articulam-se com outras pessoas com os mesmos propósitos – como mostram os sites de relacionamento, trocando dicas sobre como manter a bulimia e a anorexia e esconder dos outros (namorado(a), pais, amigos).

Tentamos compreender sumariamente este fenômeno chamado bulimia e anorexia. Para o paciente que procurar o psicólogo é importante descrever com ele as experiências, referentes ao corpo que eu sou. É importante resgatar com o paciente situações em que tais experiências foram agradáveis, prazerosas, satisfatórias e fazê-lo pensar sobre as possibilidades de vivenciar num futuro mais imediato estas experiências: ser bela(o), ser amada(o) e ser saudável dentro das suas próprias possibilidades e condições de vida.